19.3.07

Shirley e o catolicismo de Bovary

Macapá, Amapá, 4 de dezembro de 2006

Era segunda-feira. Jozi marcara para mim um encontro com Jorge Amanajás, presidente da Assembléia Legislativa do Amapá. Ele me apresentaria o Desafio, uma rede de cursinhos - criada e dirigida por ele - para alunos carentes.

Enquanto esperávamos por ele, já dentro de uma das unidades, sentamos em uma mesa dessas de plástico branco, em frente a uma dessas barraquinhas que vendem coxinhas por R$ 0,50. Eu estava com fome e ansiosa (embarcaria na viagem pelo Rio Amazonas em algumas horas), e decidi comer uma deliciosa e fofufa esfiha. Naturalmente, a ela se seguiu um Marlboro Light.

Foi então que estas duas gracinhas interromperam o prazer do meu tabaco:



- Sabia que Deus não gosta de quem fuma?, perguntou a de bermuda laranja.

Eu estava preparada para perguntar coisas sérias ao Amanajás (por que e como você planta soja e cria búfalos em território amazônico? Por que você patrocina qualquer evento a pedido de qualquer pessoa? Por que você não tenta melhorar a educação no Estado em vez de manter um cursinho?), mas não para enfrentar discussões religiosas. Ainda assim, consegui dizer:

- Ah é?

A falta do que dizer me fez pensar em toda uma vida de pecados. Aí lancei para a carinha curiosa:

- E beber? Pode?
- Não. Jesus não gosta de quem bebe.
- Puxa (decepcionada). Não pode fumar e nem beber?
- Não.
- Ah! E namorar, pode?

Quando eu estava pronta para pensar de que forma pagaria penitências, ela disse:

- Pode beijar. Mas namorar mesmo é só depois do casamento.
- Ufa! Ainda bem. Imagina se, além de não pode beber e fumar, eu não pudesse também namorar?
- Sabe, eu tenho muito medo de dar meu anel para um homem.

Ela tem cinco anos.
Depois de muita risada, fui tomada por um sentimento nobre. Eu queria catequizá-las. Decidi usar meu bloquinho de anotações para ensiná-las a desenhar corações. A delaranja conseguiu de primeira. A de rosa, bem quietinha, aprendeu depois de algumas tentativas.

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