8.4.07

A paixão de Bovary e Shirley

Algumas pessoas podem ser para nós como uma religião. Rezamos pensando nelas antes de dormir. Pedimos proteção, desenhamos seus rostos com os traços das lembranças que ainda temos, imaginamos como elas reagiriam aos nossos comentários, à nossa roupa nova, àquele sapato velho que até hoje era nosso preferido.

Sair para caminhar na rua pode ser uma demonstração da nossa fé. Andamos justamente como essas pessoas gostaríamos que fizéssemos. Seguramos a coleira do cachorro da maneira que elas diriam ser a correta. Calçamos o tênis que ficou socado tanto tempo no armário apesar das críticas. Eu, dentro de um moleton vermelho e um tênis azul, levei o Bisou para passear em uma manhã gelada. Toda vez que saímos, eu olho para os lados disfarçando. É que eu queria estar sempre distraída.

E tem também o culto. A idéia fixa, palavras diferentes repetindo sempre a mesma idéia. Às vezes evocamos um mantra. (Nessa hora, dizemos amém e tentamos sair do templo.)

Essas pessoas são uma religião porque podem também nos converter. Elas mudam nosso jeito de assistir a um filme, nos apresentam uma nova maneira de se relacionar com as outras pessoas. Transformam nossas expectativas, abalam nossas crenças e se tornam uma explicação para tudo que nos acontece.

E, de repente, quando imaginamos estar deixando de acreditar, lembramos de uma pequena oração. E tudo volta. É mais ou menos como estar jogando baralho num sábado à noite e perceber que tem um espírito por perto. Ou, de madrugada, desligar o DVD e ter a nítida sensação da presença dessas pessoas.

Não adianta ser racional. Há coisas em que simplesmente não conseguimos deixar de acreditar.

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É nisso que dá juntar Hilda, Páscoa, ansiedade pelo ovo de chocolate e um texto da Susan Sontag dizendo que a imaginação pornográfica e a religiosa têm tudo a ver. Meu bruxismo está cada vez pior.

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Esta é a paixão de Luisa Destri.

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